sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Huayhuash - Quarto dia



Não é todo dia que acordamos debaixo de uma árvore, a milhares de quilômetros de casa, no meio da cordilheira dos Andes e sem nada pra fazer. O amanhecer que presencio aqui é algo de uma beleza difícil de descrever, pois o dia já nasceu, mas o sol ainda esta atrás desse branco paredão de gelo ao fundo. Aos poucos os raios vão cruzando o topo da montanha e refletindo sobre as nuvens acima. É como se o sol estivesse com vergonha de se mostrar, por uma 7:30 da manhã ele consegue transpor as montanhas e agora os raios do sol secam a leve geada da manhã e os cristais de gelo sobre o meu saco de bivaque descongelam.

A parte dura da manhã foi desgrudar os olhos, mas como dormi a 3 passos da lagoa rapidamente estava desperto e com o rosto limpo. Se teve um dia que seria meu e não faria nada, seria este, tão longe, tão só e sem nada pra fazer além de contemplar aquela beleza majestosa e selvagem. Mas eu tinha meus planos para o dia, seria o dia da pescaria, e estava com esperança que iria dar certo. Desde que o Zangão meu amigão me contou que ficou dias comendo truta fresca no Valle Encantado, próximo de Bariloche na Argentina eu sempre pensava que seria muito bom estar na montanha e conseguir comida fresca. Após o meu mingau matinal de aveia, estava preocupado com o que usaria de isca, já que pão pareceu não dar certo. Então fui escavar num lugar úmido e fresco em busca de minhocas e encontrei, me sujei todo, mas consegui muitas minhocas.

Pronto agora sim estava me achando o pescador. Juntei minhas tralhas e fui ao fundo da lagoa onde um rio descia do glaciar, serpenteava uma pequena planície e desembocava na lagoa. Ao chegar no ponto onde desembocava , a água era cristalina, o rio devia ter uns 4 metros de largura por uns 80 centimetros de profundidade e não acreditei quando comecei a avistar as trutas em trânsito subindo e descendo o rio, o que me assustou era a velocidade que nadavam no fundo do rio. Mas sentei ali, preparei carinhosamente a isca e fiquei ali, no começo parecia que só as trutas pequenas se interessavam e nada de eu fisgar uma grandinha, daquelas de um palmo e meio que avistava cruzando como um raio no fundo do rio. Depois de uns 30 minutos surge com uma varinha de bambu o camponês que morava na outra margem do rio, ele vem até mim, me diz que escolhi um belo dia e lugar pra pescar, olha minhas iscas e faz uma cara “hum gringo esperto”, mas diz que pra cima tem alguns pontos melhores pra pescar, então subimos.

Ele pesca uns 20 metros acima de mim e a cada momento que olhava pra ele, retirava uma truta. Depois de mais ou menos uma hora e observando as técnicas locais consigo tirar a primeira trutinha do rio, mas meu vizinho já tinha pegado uma meia dúzia. Mais algum tempo e ele surge me pedindo se tenho anzol extra, pois uma truta levou seu último anzol, então lhe dou dois anzóis, uma chumbadinha e o restante do meu carretel de linha, nunca achei que faria alguém tão feliz com aquele presentinho. Na hora ele pega as duas maiores trutas que pegou e me presenteia, pronto estávamos todos felizes agora. Mas eu ainda insisto até conseguir pegar mais uma. Sinceramente se ficasse dentro do rio dando pauladas acho que teria pego mais , meu amigo vai embora com muitas trutas. No final da pescaria descubro o que seria obvio, o bastão de caminhada não serve pra pescar, não tem sensibilidade suficiente pra sentir as fisgadas de um peixe tão rápido como a truta. Mas retorno contente com quatro trutas frescas para o almoço.

Almoço de umas 3 horas da tarde, porque ainda limpei e fiz um belo filezinho. Já havia provado Trutas na argentina e em Salinas no Rio, mas aquele filezinho grelhado com manteiga ali no meio do nada superará qualquer truta que eu provar na vida. Algumas comidas tem sabores diferentes quando provadas sobre circunstâncias improváveis. A tarde um merecido descanso a sombra, depois uma organizada no camping, buscar mais lenha pra noite. Antes de cair a noite vou fazer uma visita ao meu vizinho do outro lado da margem da lagoa. Ao voltar pelo caminho do dia anterior vejo que os italianos já deixaram o lugar. Chego na humilde casa do meu vizinho que infelizmente não consigo recordar seu nome, me estende uma pele de ovelha sobre uma pedra para eu sentar . Ele pede a sua esposa pra fritar mais umas trutas. Depois de alguns minutos ela surge da penumbra da casa que tem um único e já escuro cômodo, o qual serve de cozinha e quarto para o casal. Conversamos por quase uma hora e sinto que fiz novos amigos nos Andes, antes de voltar deixo com eles o restante da minha comida, coisas muito valiosas naquela região, como, chocolate em pó, leite em pó, atum, purê de batatas, geléia e outras coisinhas. guardo apenas um pouco de aveia, um pacote de bolacha e uma barra de chocolate e dois pães com geléia. para o dia de retorno. Volto caminhado já na escuro e com frio, pois a temperatura havia caído bastante, mas com o mesmo pensamento me incomodando, como poderia um casal viver feliz ali, longe de tudo, longe de qualquer recurso digno de sobrevivência, isso reforça a minha tese de que a felicidade não está nas coisas materiais. É reconfortante estar novamente dentro do saco de plumas com uma fogueira acesa, devo dormir cedo, pois o próximo dia será o dia de retorno e uma longa caminhada me aguarda.

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