segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Tocllaraju 6034m de muita escalada e aventura

Terça 28/08 - Acordamos sem pressa quando o sol clareou o acampamento base. Tomamos nosso café da manha e aos poucos fomos preparando nossas mochilas para subir acampamento ao "Campo Alto" 5100m. Próximo as 9h da manha inciamos nossa subida com todo equipamento e comida para a escalada do "Tocla". A metade do caminho que segue no fundo do vale é bem tranquila, com uma subida leve e gradativa. Da metade em diante a aproximaçao tor na-se pesada, com uma subida muito forte e depois uma transversal na complicada moraina que antecede o Campo Alto. Complicada porque é uma confusao de blocos, pedras e muito cascalho solto. Depois de umas 4h de caminhada, com algumas paradas, chegamos ao Campo Alto 5100m.

O Campo Alto é uma área para acampamento logo abaixo do glaciar do Tocllaraju. Confortavelmente cabem umas 5 barracas que podem ser colocadas em área planas e protegidas do vento por grandes rochas. A frente do "Campo Alto" revela-se uma língua de Seracs, todos tortos e quebradiços. Olhando do Campo Alto parece que seria impossível atravessar essa garganta de Seracs, ainda bem que a rota normal nao segue por alí.
Montamos nossa barraca ao lado da barraca de um senhor polones, TomaK, de uns 60 anos, que estava montanha acima com seu guia peruano. Almoçamos por umas 4h da tarde e fomos dormir. Nossa estratégia é dormir cedo e acordar a meia noite. Por umas 6 da tarde escutamos Tomak e seu guia chegarem. Pelo tom da conversa vimos que as coisas nao estavam muito boas. Saí da barraca e perguntei ao guia se precisavam de alguma coisa. Ele disse que nao poderiam descer, pois TomaK estava muito acabado, mas nao tinham comida e nem benzina para permanecer mais uma noite no Campo Alto. Entao lhe demos comida e benzina, assim passariao com mais tranquilidade a noite no campo alto e no dia seguinte poderiao baixar ao Campo Base.
O tempo estava um pouco feio, com uma leve nevisca e um bom frio pra dormir, voltei pra barraca e logo estava dormindo.

Quarta 29/08 - Rock and Roll and Tocla
A balada vai ser forte e começa cedo, meia noite acordamos e sonolentamente saímos do nosso casulo de penas de ganso. Alguns gansos deram a vida por nosso confortável sono a 5100m, heheh.
Aos poucos, entre um gole e outro de café, iamos vestindo nossas armaduras e nos equipando com nossas armas. Fazia um frio abaixo de zero, pois algumas coisas que ficaram fora da barraca já estavam congeladas. Mas estavamos contentes com o tempo, pois uma lua cheia e um céu aberto nos saldavam com muita esperança de um dia lindo.
Ver essa enorme montanha branca de gelo banhada pela luz da lua era uma cena irreal e inemaginável pra mim.
Por 1h da manha já estavamos avançando no glaciar. Nas primeiras fortes rampas, ainda com o gosto amargo de ter recém acordado, já me perguntava se essa escalada era pra mim. Seriao 900m de desnível em gelo e neve, com muitos trechos de escalada técnica, numa rota de dificuldade "AD" "Algo díficil". Mas tudo estava transcorrendo muito bem que nem me importava por estar alí em minha primeira temporada de escalada em gelo.


O Regi ia guiando a cordada, eu no meio e nosso convidade Mike no final da corda. Escalavamos de madrugada e com nossas lanternas desligadas. Seguiamos a rota sobre a luz da lua. Creio que todo montanhista sonhara um dia escalar assim e isso me animava muito. Ver as sombras dos seracs acima de nós e a luz da lua consumida pela imensidao escura das gretas era assustador.

Sentia que estavamos progredindo, mas lentamente. Comecei a perceber que meus dedos do pé estavam ficando gelados. Depois de muitas rampas e contornar algumas gretas e seracs, começamos a enfrentar trechos de escalada mais técnica e entao me concentrava mais nas subidas. Antes de um trecho que todos chamam de "ombro" há o primeiro desafio técnico, uma rampa de uns 60m de uns 60 a 70 graus de inclinaçao. O Regi entrou guiando e pedi ao Mike que desse segue, pois eu precisava verificar meus pés que estavam congelando. O frio nao era intenso, talvez com o vento a sensaçao térmica estivesse entre -5 e -10. O problema era que estava com duas meias grossas numa bota muito justa, isso quase me custou a escalada. Movimentei os pés até que a circulaçao voltou e entao já era minha vez de subir o paredao de gelo. Quando terminei esse trecho encontrei o Regi e o Mike ancorados no final de uma fina crista, que de um lado tinhamos o paredao escalado e de outro uma greta assustadora que engolia a luz da lanterna. Em algumas descriçoes chamam essa greta de "Traga Homens".
Atravessamos a crista cravandos as piquetas no topo e com metade do corpo acima da linha da crista. Essa travessia ainda de madrugada foi o primeiro "crux" da escalada. Depois de mais algumas rampas já estavamos no ombro e entao entramos na aresta que leva até o cume. Nesta aresta o vento aumentou muito, com fortes rajadas. O dia estava começando a clarear, porém nao bonito como esperavamos. Muitas nuvens estavam surgindo de trás da montanha. Quando achei que com o amanhecer a temperatura iria melhorar me enganei. Pois aos poucos o tempo foi ficando feio e logo começou a nevar. Por umas 8h da manha estavamos no meio de um vento muito forte, creio que uns 50km, muita neve caindo e uma visibilidade de uns 20m. Sabiamos pelo altimetro que estavamos no máximo uns 200 metros do cume. Continuamos progredindo, mas eu cada vez mais preocupado com meus pés, nessa altura já nao conseguia mais movimentar os dedos. Antes da travessia da crista, comentei com o Regi a possibilidade de voltar, ele disse que se um voltasse todos voltariam juntos. E entao toquei pra cima na esperança de encontrar o forte sol de todos os dias ao amanhecer.

Depois de mais uma escalada de uns 70 a 80 graus chegamos ao segundo e mais díficil crux da escalada. Uma gigantesca Rimaia separa o cogumelo de gelo do cume. Durante os meses mais frios essa rimaia é bem menor e uma ponte de gelo permite escarla-se os últimos 100 metros verticais, com trechos de 80 graus, que terminam no cume. Nao encontramos ponte alguma, o caminho mais viavel para alcançar o paredao final teria que passar por um vertiginoso túnel vertical dentro da Rimaia, um caminho grotesco e assustador, pois ao terminá-lo já estariamos no paredao. ainda bem que esse trecho era curto. Enquanto o Regi e o Mike que nao conseguiu passar o túnel com sua mochila, procuravam o melhor caminho eu estava sentando dentro da rimaia tentando fazer voltar a circulaçao nos pes e movimentar os dedos. Os dois nao encontraram um gelo bom para um proteçao com parafusos. O gelo deste trecho final estava muito quebradiço e com o aumento dos ventos, os dois voltaram até mim e aguardamos por melhores condiçoes. Eu desamarrei todos os cadarços da minha bota dupla e movimentando muito os pés consegui fazer o sangue voltar a circular nos dedos. Mas eu estava preocupados com meus feios dedinhos e disse ao Regi vamos vazar daqui e descer.

Depois de uma meia hora congelante, entre nuvens um solzinho singelo nos brindou com alguns minutos de calor, enquanto comiamos e bebiamos, nossos animos foram melhorando. Entao no melhor momento de visibilidade vimos o cume sobre nossas cabeças uns 100 metros acima e entao o Regi quis partir para mais uma investida. Eu dava segue de dentro da Rimaia usando o túnel de gelo como proteçao natural, mas dava muito medo ficar ali observando toneladas de gelo acima. Quando a corda esticou foi um alivio sair dali escalando. Em simultaneo subiamos eu e o Mike, que mais uma vez tentou passar o túnel com a mochila e nao conseguiu. O Regi como foi guiando utilizava nosso par de piquetas técnicas, eu ia devagar vencendo a parede com uma par de piquetas de travessia, usando delicadamente as piquetas como apoio. O gelo estava muito quebradiço, nao dava muita segurança. Tinhamos 10 parafusos que só levamos pra passear. O Regi tocou pra cima naquela estranha canaleta final de 70 a 80 graus usando como proteçao as estacas de rapéis abandonadas a cada 30 metros. Depois de mais uma cordada e alguns passos estavamos juntos no cume do Tocllaraju 6034 m, depois de 9 horas de subida e escalada. Diferentemente de outros cumes nao tinhamos a visao de nada, tudo era branco. Eu estava pela primeira vez numa montanha de 6 mil metros. Tentei tirar algumas fotos mas minha camera nao funcionava devido ao frio. O Regi e o Mike tiraram algumas fotos, o Regi ficou emocionado, também graças a ele chegamos ao cume, eu estava retornando já da Rimaia. Mas graças a sua persistencia, experiencia e ousadia chegamos ao cume do o Tocla.

Ficamos uns 10 minutinhos no cume e depois de 3 rapéis de 30 metros estavamos de volta dentro da sinistra rimaia. Agora a euforia do cume dava lugar a preocupaçao com a descida. Pois o tempo estava piorando, mais neve e vento forte. Iamos descendo com pouco visibilidade, a neve fresca em alguns trechos havia tampado nossas pegadas deixadas na subida. Aos poucos iamos encontrando o caminho e desescalando alguns trechos mais expostos. Um outro momento de tensao ocorreu um pouco antes da travessia da crista, Mike descalava um trecho mais vertical em meio de uma pequena avalanche de neve fresca, que nao sabimaos se estava vindo mais de cima. Eu lhe dava segue de um lugar "seguro" na crista, a greta engolia a neve fresca que descia da montanha. Passamos rapidamente a travessia da crista e logo fizemos o último rapel abaixo do ombro. Caminhavamos rapidamente desencordados, pois acima de nós muitos seracs estavam recebendo neve fresca a bastante tempo. Desciamos o mais rápido que podiamos, mas com neve fresca algumas vezes atolavamos a perna até os joelhos. Ouviamos alguns estrondos, mas nao viamos mais que 20 metros de distancia e nao sabiamos o que era com certeza e se vinha em nossa direçao. Uma boa parte da desciada foi bem frenética, até estarmos no baixo glaciar em mais segurança e continuar descendo vagarosamente atolando-se de metro em metro. Depois de mais umas 2 horas caminhando na neve fresca estavamos de volta por umas 4h da tarde no Campo Alto. Comemos alguma coisa, conversamos um pouco com o pessoal que tinha subido ao campo alto e fomos dormir bem cansados. Acordamos no outro dia com o sol derretendo a neve que cobria parte do Campo Alto, o dia amanhecia lindo, muito diferente do dia anterior, desmontamos acampamentos e descemos a horrivel moraina até o campo base.
Assim terminou nossa escalada ao Tocllaraju, que poderia ter sido mais fácil. Mas acredito que ter feito o cume em condiçoes adversas teve um gostinho melhor. Agradeço a Deus por tudo ter dado certo e ao meu grande amigo Reginaldo, que com bravura nao se deu por vencido, nem pelo frio, nem pelo ventou ou pela neve. Seguiu seu coraçao e nos conduziu ao cume.

Como diz aquela música do Maskavo: "Saiba ouvir seu coraçao e deixe seus medos pra trás"
Ps: Estamos com problemas pra conseguir as fotos que tiramos do Tocla, pois o Regi perdeu as fotos de sua camera, eu consegui poucas fotos e vamos ter que esperar pra revelar as do Mike.

Mike logo depois do pequeno susto.






Regi preparando uma proteçao para descer a rampa


Reginaldo no cume do Tocllaraju
Para mais informaçoes sobre o Tocla acesse:
Vídeo de uma parte da descida próxima a travessia da crista.

5 comentários:

Unknown disse...

E aí galo rosa...
agora que eu consegui descobrir como faz para comentar os bizus...
cara... que legal essa escalada de vcs... o relato deixa a gente com vontade de estar junto na aventura de vcs... que Deus esteja abençoando e cuidando de vcs... um abração prá vc e para o Regi... dê os parabéns pelo destemor do camarada aí!!!
Hiller

Eduardo Pedro disse...

6034m, AD, storm!!! belo feito...
Parabéns.
Edu.

La garantía soy yo disse...

Pura Vida!

Nossa rapaziada, muita garra e persistência! é o que há!
e é isso ae..mandem bronca!

abraço ai,

Vinicius

mike disse...

¡Hola Luciano! Tus photos son muy bonitos. Estoy en Lima. Mi vuelo a los EEUU es en 2 de Oct. a las 12:30. Cuando regresé a Seattle, les daré los photos.

Targueta disse...

Luciano, estou pensando em fazer o Tocllaraju nesta temporada e queria algumas dicas suas. Conheço um pouco da região de Huaraz e pelo que andei vendo no seu blog acho que poderíamos trocar bons conselhos - Julio Targueta - targueta@gmail.com